Mole: o sabor da tradicional culinária mexicana

Uma das formas mais tradicionais de servir o mole, coxa e sobrecoxa cobertos pelo molho, acompanhado por uma porção de arroz, feijão (frijoles refritos) e tomates.




O México é mundialmente conhecido por sua culinária, às vezes considerada exótica, picante, porém sempre lembrada por ser uma das mais saborosas e aromáticas do mundo. Afinal, todos que conhecem esse país têm em sua memória o cheiro do milho, das “tortillas de maiz”, dos tacos e doces que exalam de suas ruas, seja na gigante e populosa Cidade do México ou em uma cidadezinha interiorana.
E no quesito sabores desconhecidos, muitos irão mencionar os chapulines (ou grilos), os gusanos de maguey (a lagarta que vem em algumas garrafas de tequila) e outras iguarias pré-hispânicas que, contrariando o imaginário popular, atualmente não são consumidas e apreciadas por toda a população nativa (para saber mais sobre comidas mexicanas exóticas, clique aqui: http://viviendoenelmexicomagico.blogspot.com.br/2016/02/comidas-mexicanas-exoticas-aceitam.html).

O sabor diferenciado da autêntica comida mexicana ao paladar brasileiro é, em sua maioria, devido aos ingredientes utilizados em sua preparação, principalmente pela variedade de pimentas existentes do país. Aliás, é errônea a ideia de que todo e qualquer prato mexicano é picante ou ardido: eu diria que há um excesso de condimentos que podem cair um pouco pesado àqueles que não estão acostumados a esse marcante (e delicioso!) coquetel de ervas, chiles, sementes, oleaginosas, raízes e folhas.



Enchiladas de frango com mole.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vGwzLHXjGfU

O mole é um dos pratos mais tradicionais do México, porém geralmente é desconhecido daqueles que ainda não visitaram o país ou um tradicional restaurante mexicano, isto é, estabelecimentos que oferecem aos seus clientes opções que vão além do tradicional tex-mex (burritos, cheddar, crema, feijões com carne moída e nachos). Trata-se de um tipo de molho (salsa, para os mexicanos) denso, de cor escura, aroma condimentado e um leve sabor de chocolate (sim: cho-co-la-te!) o qual serve de base ou acompanhamento para outros pratos. Tem sua origem na era pré-hispânica, havendo registros de que os astecas preparavam um molho com carne de peru, chocolate e pimenta, oferecendo-o em ocasiões especiais e às personalidades importantes.


Museu Frida Kahlo (Casa Azul): detalhe da cozinha e os utensílios utilizados para a confecção do mole.
Fonte: arquivo pessoal.

A receita original do mole denota da cidade de Puebla (por isso o nome “mole poblano”) e é constituída por mais de cem ingredientes; no entanto, crê-se que ainda existam mais de 50 receitas, oriundas de diferentes regiões e que levam em sua elaboração itens distintos. No entanto, a receita mais tradicional e conhecida tem em sua composição cacau ou chocolate amargo, chiles ancho, chiles mulatos, chiles pasilla, chipotle, tomates, amêndoas, banana, nozes, uvas passa, gergelim, cravo, canela, salsinha, pimenta, cebola, alho e tortilhas; por se tratar de um prato tradicional não há uma quantidade correta dos ingredientes a serem utilizados, que inclusive podem omitir-se ou variar a proporção, dependendo de quem o elabora.


“Nascimento” da base do mole: pimentas sendo trituradas.
Fonte: https://varuninamdar.wordpress.com/2014/04/27/401/


No mundo moderno a confecção original de muitas receitas se perdeu no passado ou deu lugar a formas mais práticas e rápidas em seu preparo, ou ainda, para poupar tempo ou esforço, muitas vezes nos limitamos a comprar o alimento já pronto (no Brasil podemos citar o caso das pamonhas, massas, pães ditos “caseiros” e uma infinidade de doces), os quais muitas vezes não nos damos mais ao trabalho de fazê-los em casa, porém não deixamos de consumi-los. E o mesmo ocorre no México com o mole: por ser uma receita muito demorada e trabalhosa de executar, dificilmente é feita do início ao fim em casa: o mais comum é que se compre a base do preparo (em pasta ou pó) e esta é complementada de acordo com o gosto pessoal de cada família. Para os que querem ter o menor trabalho possível, há ainda os 100% prontos vendidos em embalagens tetra-pak que podem ser encontrados em grandes supermercados, porém sabemos que esse tipo de produto não chega aos pés daquele feito de forma caseira e com o toque pessoal do cozinheiro (comparo-o a uma lasanha congelada à lasanha da vovó!). Em cidades pequenas ainda há quem faça o mole do início ao fim, mas nos grandes centros creio ser bem difícil encontrar alguém que tenha disposição para encarar esse trabalho: o mexicano moderno acaba preferindo sair para comer o prato em um restaurante de sua preferência, deixando para executar a receita somente em ocasiões (muito) especiais.


Pó / pasta de diversos tipos de mole vendidos em sua forma tradicional, em mercado de Oaxaca.






Exemplos de pasta de mole industrializadas.
Fonte: internet.

Nao é exagero dizermos que o mole está para o mexicano assim como a feijoada está para os brasileiros, no quesito “prato típico”, importância na culinária e ao gosto de todos. Casamento tradicional? Servem mole. Batizado? Mole. Festa de família? Por que não... mole? A forma mais usual é servi-lo com frango ou enchiladas, mas também pode acompanhar carne de frango, porco, servir de base para sanduíches e tamales.


Tamal de frango com mole.
Fonte: http://elmonasterio.com.mx/wp/?page_id=135


Sanduíche com mole

A receita que passarei a seguir é a feita pela minha sogra, nascida na Cidade do México e residente por toda a vida na mesma região. Como já mencionei, não há uma forma correta de fazer o mole: a quantidade e os ingredientes pode variar a gosto de quem o faz, e essa é a que aprendi fazer e que fica realmente muito saborosa e leve.

Provecho!



Mole Poblano com Frango


Ingredientes: 


Alguns dos ingredientes para o mole.

  • 2 kg de frango (coxa e sobrecoxa, peça inteira ou partida)
  • ¼ de xícara de amêndoas descascadas
  • ¼ de xícara de nozes
  • ¼ de xícara de amendoim
  • ¼ de xícara uva passa
  • ¼ de xícara de gergelim torrado
  • ¼ de xícara de anis estrelado ou  ½ colher (chá) de sementes de anis
  • 1 pau de canela
  • 3 grãos de pimenta-do-reino
  • 3 grãos de pimenta branca
  • 4 cravos inteiros
  • 1 colher (sopa) de erva-doce
  • 1 rodela de chocolate Abuelita ou 2 colheres de sopa de chocolate do Padre ou ¼ de xícara de chocolate amargo, picado grosseiramente (60 g).
  • 2 cebolas grandes
  • 4 dentes de alho
  • Pão fofo (pão de leite), equivalendo ao tamanho/peso de um pão francês
  • 1 colher (chá) de sal
  • Óleo
  • 2 colheres (de pegar arroz) de pasta pronta concentrada para mole (mais ou menos 200g)
  • + ou - 1 litro e meio de caldo de frango


Rodela de chocolate Abuelita.
Fonte: http://www.blufftontoday.com/bluffton-news/2015-10-28/remembering-those-weve-lost-pan-de-muerto-and-hot-chocolate-day-dead

Chocolate Abuelita e Mole Vermelho em pó.
Fonte: Arquivo pessoal.


Preparo:


Primeiramente, faça um refogado básico de cebola e alho, acrescente água, sal a gosto e cozinhe o frango em uma panela de pressão ou caçarola. Retire o frango, reserve e coe a água do cozimento para usar no molho.


Caldo de Frango
Fonte: arquivo pessoal.

Caso as amêndoas a serem utilizadas não estejam descascadas, cozinhe-as até o ponto em que a casca esteja soltando; retire-as totalmente. Quando estiverem totalmente limpas, aqueça uma frigideira de bom tamanho e toste os seguintes ingredientes: amêndoas, nozes, gergelim, amendoim e uvas passas, até que estejam completamente douradas. Separe.
Em outra panela, toste os seguintes ingredientes: pimenta do reino, pimenta branca, anis, erva doce, cravo e canela. Reserve.


Nozes, amêndoas, uvas passa, canela e anis torrando.
Fonte: arquivo pessoal.

Corte ½ cebola em pedaços relativamente grandes e doure em um pouco de óleo. Quando estiver no ponto, acrescente os ingredientes já tostados e um pouco do caldo de frango. Cozinhe até que os ingredientes estejam moles, e o ponto certo será quando essa mistura estiver mais seca.

Desligue o fogo. Coloque o cozido no liquidificador e acrescente o caldo do frango até que atinja uns 3 dedos acima. Bater por alguns minutos, até que os ingredientes estejam bem dissolvidos. Por fim, juntar o pão picadinho e bater novamente, até que forme um creme homogêneo.

Numa panela à parte, acrescente mais um pouco do caldo do frango e dissolva o mole concentrado, formando um caldo de consistência pastosa. 


Cozinha mexicana preparando o mole.
Fonte: arquivo pessoal.

Em fogo baixo, aquecer um pouco de óleo e acrescentar uma parte da mistura do liquidificador, e quando já estiver quente, misturar um pouco da pasta do mole, mexendo sempre. Ir acrescentando as misturas, intercaladas, não parando de mexer. O molho terá uma consistência bem grossa, por isso será necessário colocar caldo de frango para diluir, porém com certo cuidado para não deixá-lo ralo.

Acertar o sal. Ir colocando mais caldo para apurar e nunca deixar de mexer, para que não grude no fundo. Deixe cozinhar por pelo menos 1 hora, para que os ingredientes se integrem bem. O ponto certo é quando o molho já estiver em uma espessura densa e fazendo bolhinhas na superfície.


Mole pronto.
Fonte: arquivo pessoal.


Infelizmente desconheço no Brasil onde se venda a pasta ou pó que serve de base para o mole, portanto esse (que será o ingrediente principal) não há como ser substituído. Portanto, se você provou e aprovou o mole, sugiro que traga em sua bagagem a base para poder fazer a receita no Brasil, pois os demais ingredientes são comuns e facilmente encontrados em nosso país.

E atenção no segredo mexicano: nunca deixe de colocar o anis, porque é esse que deixará o molho mais “leve”, ajudando a digestão e não deixando a sensação de empachamento àqueles que exagerarem na comilança!



Escrito por:







Íris Zatona Magaña, Paulistana, casada com um mexicano, reside na Capital de São Paulo. Graduada em Direito e Ciências Biológicas, possui especialização em Direito Empresarial e Tecnologias Ambientais, e, atualmente atua de forma autônoma como advogada e bióloga. Tem como hobbies e principais interesses: cinema, música, leitura, meio ambiente, gastronomia, viagens e turismo.


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